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domingo, 16 de maio de 2010

Velhas peripécias de R., o quase funcionário

R. percorreu gabinetes e gabinetes. Portava uma carta em que lhe lhe negavam o emprego público tão almejado. Era necessário passar por rituais burocráticos de alto significado simbólico. Sempre havia mais uma das secretárias que se esforçavam por parecer saídas de uma revista de moda, assessores e mais assessores dos mais variados tipos.
No dia seguinte a greve de protesto dos funcionários impediria qualquer movimento nas tentativas de levantar os óbices à nomeação. Seria então tempo de descançar, recuperar as forças gastas nos intermináveis chá de cadeiras em corredores muito longos.
No cubículo onde dormia ele não queria mais ficar. Já tinham sido bastantes as infindas horas em que lá ficava prostrado, jogado na cama, olhando o teto branco e um pouco encardido, sem ânimo para se levantar. Foi até as bibliotecas e sentiu-se mal com as grades das janelas e porque por todo lado se ouvia o zumbir de aparelhos de ar condicionado e os reatores das lâmpadas fluorescentes.
R. entrou numa sala e pode ver o prédio ao lado, iluminado pela amarela luz de vapor de sódio. Limpa, fria, esquisita como um se um novo Sol, meio de hacatombe nuclear, brilhasse enfim.
Na sua frente colocou "O Aleph" de Borges e principiou a leitura.
Parou por alguns segundos e pensou na vida. Era mesmo como a sua. Era grande como a arte de um ou outro momento de prazer.
Deu uma risada interna, tão contida que não aflorou nos lábios, talvez um esgueio sutil lhe tenha aprecido então no canto da boca. E só.
Mergulhou na leitura, feliz!
(8-04-1987)

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