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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Facebook segundo um gringo que se abrasileirou

O livro dos caras

17 de janeiro de 2011 | 0h 00
Matthew Shirts - O Estado de S.Paulo

Saí cedo do aniversário de Thiago, um dos editores da revista National Geographic Brasil, onde trabalho também. É garoto ainda. Fez 30 anos semana passada (A National fez 123). A festa foi no bar do Sasha, na Vila Madalena, hoje conhecido como Sashão, porque há filiais menores espalhadas pela região. Mas este endereço foi o primeiro, a sede, o da Rua Original. Quando abriu, há duas décadas, era pequenininho também, com duas churrasqueiras de design exótico instaladas na calçada, ou próximas dela, onde se fazia costela de boi "no bafo", um processo primitivo e gostoso de cozimento.
Deixar a reuniãozinha justamente quando começava a se animar não me agradou. Chegavam os amigos de Thiago da faculdade, a Metodista, em São Bernardo. Moravam todos ou quase, soube, em um prédio onde havia apenas aposentados ou estudantes em repúblicas, sobretudo de mulheres. Um mix curioso. O síndico tinha a língua presa e costumava começar as falas e broncas com a frase, "Gente, eu também já fui jovem"...
Mas eu queria assistir, ainda naquela noite, à única sessão do filme sobre o Facebook, A Rede Social, marcada para as 21h40 no cinema Unibanco da Rua Augusta. É este, talvez, o ponto de maior simpatia, hoje, na cidade de São Paulo. Há uma concentração de cinemas e livrarias e bares e cafés e vendedores de rua naqueles quarteirões em volta da esquina da Augusta com a Avenida Paulista. O movimento é de cidade grande, anônimo e intenso, mas se mistura com um personalismo interiorano ao cair da noite. Sempre encontro amigos ali, por acaso. Tem pipoqueiro. Há aquela sociabilidade brasileira animada, quase frenética, de muitos gestos e grupos e falas nas calçadas. O cenário alegra meu espírito.
Ao entrar na pequena sala 5 do Unibanco, divertia-me colocando frases na minha própria página do Facebook para a leitura dos meus "amigos" virtuais. Postava no FB, como também é conhecido, enquanto esperava o filme do Facebook - A Rede Social - começar. Achava isso divertido até que meu filho Lucas, de 26 anos, enviou instruções, por escrito, via FB também, não sei de onde, para eu deixar de brincar com meu telefone e assistir ao filme. Em algum momento os filhos começam a censurar a gente.
Você já deve conhecer, ao menos por alto, a história do filme. Se não, e se não quiser estragar o prazer de vê-lo ainda virgem, é melhor encerrar a leitura na próxima marca de pontuação.
Um estudante de Harvard, gênio de computador, mas aparentemente fraco em "inteligência emocional", inventa uma maneira fácil de estudantes da faculdade se apresentarem um ao outro, com fotos, currículo, vídeos e outras informações via internet. Dá muito certo logo. De Harvard é levado para Yale, Princeton e Stanford - esta no Vale do Silício, a capital de inovação no mundo dos nerds (gênios). E de lá para o mundo. Hoje são 500 milhões de usuários.
Mas o gênio, Mark Zuckerberg, na vida real, é acusado primeiro de ter roubado a ideia de outros alunos, esses mais grã-finos, de Harvard. E, depois, de ter sacaneado seu sócio e único amigo, Eduardo Saverin, brasileiro que se mudou com os pais para Miami, quando jovem, para não correr o risco de sequestro. O enredo é contado, quase todo, a partir dos procedimentos judiciais movidos por Saverin e os grã-finos.
Surpreendeu-me no filme a abordagem da sociabilidade jovem. Há um único momento de diversão verdadeira na história toda. Esperava eu conhecer ambientes de trabalho criativos, gente interessante, grandes amizades forjadas na faculdade que geram uma cultura nova. O que vi são egos deformados e frágeis, competição intensa, mas árida, garotas bonitas, mas interesseiras e idiotas. Um deserto emocional.
E aí está o valor do filme: retratar a crise de sociabilidade que assola os Estados Unidos. Em uma sociedade onde o único valor de consenso é o "sucesso", as pessoas se dão com dificuldade. Os conflitos são resolvidos ou na Justiça, ou aos berros ou, na pior das hipóteses, por meio das armas de fogo.
O filme é interessante não porque mostra que Zuckerberg criou uma rede de "amigos virtuais" para suprir a falta deles no mundo real. Mas sim, porque, ele, gênio, entendeu a vasta pobreza das relações pessoais que assola a cultura americana neste momento. Na crise de sociabilidade, que era sua também, viu uma oportunidade e soube preenchê-la com maestria e talento matemático. Pena que perdeu seu único amigo de verdade ao fazê-lo, por coincidência ou não, um brasileiro.
O Facebook é divertido. Criá-lo parece ter sido uma chatice. Na próxima vez que for ao boteco, vou ver se consigo puxar esse papo com os amigos.

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