Postagem em destaque

"Concreto"

Pedra, barro, massa     Mão, calo, amassa! Levanta parede  No ar  D a hora Que se levante! Mora dentro     F ora   Vi...

sábado, 4 de junho de 2011

Bijuzeiro "paulistano"

Era um tiozinho baixo e franzino, Eufrázio, devia ser de Sergipe. Pele crestada de sol, as feições mestiças curtidas e vincadas por uma vida de privações e agruras na terra natal e ali na metrópole. Ia prá mais de 40 anos no metier.
Levava sua cota de bijus numa simples caixa de papelão. Faltou o cilindro metálico branco de mochila nas costas... Mas tinha pelo menos uma matraca.
Reclamou que as vendas eram fracas.
Ali no Itaim Bibi tinha muita gente vendendo bijus nos faróis, fosse na JK, na 9 de Julho e na Clodomiro Amazonas. O pessoal tava cheio, meio enjoado. Eu falei que agora uma fábrica de Bauru tinha colocado nas prateleiras dos Pão de Açúcar da vida e ele fez cara de quem não gostou, de quem queria o mercado de bijus só para os coitadinhos como ele...tive pena deles e raiva dos supermercados...
Ele tinha que ir lá pra feira de antigüidades e artesanatos da Praça Benedito Calixto, lá sim devia dar melhor, dizia, o povo tem saudade de bijus, lembra infância...
Perguntei se ele mesmo fazia. Ele contou que agora contratava. Tinha que ser rápido para enrolar a panquequinha na varinha que lhe dá a forma ainda quente, queima-se a mão por falta de destreza. Ele já me pareceu então meio cego, aquela catarata embaçando a borda da íris, e vi que tinha as mãos calosas e quiçá artríticas de velho sofrido.
Eu saboreei meus quatro do pacotinho, de R$ 3, quase um real cada, prazer ainda assim barato. Na festa junina da "escola de rico" dos meus filhos nada era barato. E o tiozinho ainda tinha que descontar suas fichas com 30% de desconto, ou seja, pagava, como todos ali, um "aluguel" para a escola "chique".
Mas tudo isso, as agruras do bijuzeiro e de todos os mulatos pobres da metrópole se diluíam, eu esquecia de tudo isso para desfrutar da "casca de barata" crocante e doce...
E cada mordida me trazia à mente outros dias, outros bijus, outras pessoas, outras situações ao redor, velhas ruas da meninice em Marília, o Instituto Monsenhor Bicudo, o Amílcare Mattei, o Cristo Rei, as saídas do Yara Clube, a Vicente Ferreira e adjacências, a Coronel José Bráz.
Eram esses bijus para mim o mesmo que as madeleines no chá de Marcel Proust...uma chave para se ir "em busca do tempo perdido"...do moleque que não sabia nada que se escondia no adulto ainda perplexo com a complexidade desse mundo novo...seus cabelos brancos e o acúmulo de experiências, as histórias que tinha vivido pelo mundo afora pareciam que não eram nada perante seus dez primeiros anos de vida.
Parecia que ele ia ficar marcando o caminho, como uma lesma ou caracol, com o visgo gelatinoso das lembranças dos anos de formação. Freud explicava...

Nenhum comentário: