Numa dessas tardes do meio da semana, já há algum tempo, o menino bom e inteligente, secundarista "normal", começou a falar coisas como a existência de um complô que gerenciava os pensamentos de todos, fazia escutas no apartamento e estava contaminando tudo, a começar pela água potável, com metais pesados...
Claro que a mãe supôs que ele tinha tomado drogas pesadas.
Passou um dia entre a normalidade e o delírio, quando então fugia, segundo ele, de "campos eletromagnéticos malignos", numa dança que entristeceu demais os pais, consultando compulsivamente o celular. A ignorância estarrecida dos pais retardou suas ações.
Depois de mais uma noite com pesadelos horríveis, na manhã seguinte disse que tinha que fugir para se salvar. Correu velozmente, se jogou contra os vidros do janelão da sala, se cortando muito. E voou!
O apartamento baixo, de segundo andar, e a grama salvaram-no. Nada de fisicamente tão grave.
Claro que a polícia, que chegou primeiro, o tomou por ladrão. Quiz prender e atirar (o policial com 38 engatilhado!, disse-me depois o pai).
Os bombeiros do resgate, logo depois, falaram mal dos "polícias" (incrível como essas corporações irmãs eventualmente se detestam), contemporizaram que era o crack ou cocaína. As negativas eram fortes. Pobres pais iludidos!, pensavam os bombeiros.
Os crentes falaram que era falta de Deus, pois só Ele nos livra dessas possessões.
Os vizinhos em geral até riram, o problema não era deles. E para piorar, meu amigo era petista num bairro de tucanos. Sei que a solidariedade não foi muita, mas meu amigo naõ teve boca para reclamar.
No hospital, o psicólogo e o pronto socorrista do dia, enfermeiros e atendentes juraram que só podia ser maconha, opinião amplamente compartilhada pelos familiares.
O psiquiatra que o atendeu na emergência e depois seguiu o caso, pesquisou muito e concluiu que tinha sido um surto psicótico de característica maníaca, com eventual distúrbio bipolar, genético ou desenvolvido, de fundo(a pesquisa não chegou ainda lá para "fechar" a questão). O que desencadeou o processo teria sido uma deficiência de lítio, segundo estudos ortomoleculares.
Descartou qualquer associação do surto ao eventual consumo de drogas pelo menino.
Tratamento alopático de crise por um mês. Recomendou: alimentação balanceada para sempre, psicoterapia por um ano visando fortalecer a vítima contra o estigma e a vergonha, yoga, estudo e amor para o reequilíbrio. A família unida reagiu a contento!
Meu amigo vai comemorar, numa espécie de aniversário, com o filho (quase já "maduro" e formado em Odontologia na USP) mais a esposa e as outras duas filhas mais novas, dez anos sem reincidência do evento.
Que viva a razão, a medicina, a farmacologia e a psicanálise!
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