Recebera o final do relatório só nas primeiras horas da manhã, revisara longos textos em várias versões que tinha que deixar coerentes e portanto saíra de casa meio encima da hora.
Marginal Pinheiros, parada da Cidade Jardim até a Ponte Estaiada, aquela confusão de sempre (direita ou esquerda?) debaixo da ponte do Morumbi, que na verdade são, de verdade, três pontes, pois foram sendo "duplicadas" há muito para fazer frente parcial à explosão imobiliária e veicular desse tal de Morumbi... "colina verde" em tupi-guarani).
Chegou mais uma vez num desses conjuntinhos empresariais moderninhos, com nome de prédios homenageando capitais de estados dos Estados Unidos da América, a grama verde como já antevia Leminski em "Verdura" que o Caetano Veloso musicou...
R. não se abatera com o calor acachapante, nem mesmo com a burocracia infinda (portaria 1, portaria 2, portaria 3, placas do carro, nome, senhas, crachás, fotos, números de rg, o fiscal segurança do estacionamento pediu também nome, local da reunião, se era particular ou empresa, etc.).
R. a tudo enfrentou de cabeça erguida e subiu célere. Havia reuniões prévias do grupo a quem palestraria. Esperou de novo pacientemente. Lia revistas velhas, catálogos, até "Almanaque do Biotônico" que encontrasse; em aperto lia folders publicitários, rótulos de qualquer coisa e revistas de fofoca. Mas não ali.
Lá tinha o dossiê de Benjamim Mary (um belga diplomata e desenhista) que retratou-nos (especificamente o Rio de 1830) fartamente. Quantas coisas aprendera, apreendia, em locais inusitados com seus olhinhos de judeu rubicundo e meio cegueta.
O escriba ganhara "algum" de novo para ler e escrever. Fazia isto, digo, sua linhagem, desde os tempos dos faraós, e antes, na Babilônias de onde tinham vindo há milênios. Fazia apontamentos, compilava dados de tabelas, contava coisas em estoques, escrevia procedimentos operacionais principalmente alquímicos, mas com a idade vinham lhe perguntar e lhe pagavam por assuntos diversos. Ontem mesmo se propusera a tocar a construção de um armazém frigorífico para o dono da transportadora com quem jantara.
E contava histórias, trazia sacos de plástico com o nome de família de um dos presentes, animava de algum jeito o astral daqueles seres combalidos pela falta de criatividade decorrente do tédio, algum medo e outro tanto de opressão de um mundo do trabalho ainda arcaico.
R. o escriba, saía voando da sala em pensamentos, escrevendo no papiro com pena forte um versinho de Quintana :"Eles passarão! Eu passarinho!"
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