(Como minha mãe não se dá com essas ferramentas e desligou sua internet há anos, peço ao irmão mais novo, à cunhada, ou à irmã lerem, imprimirem e repassarem para ela.)
Dona Cida, minha mãe,
Desculpas por eu ter levantado a voz e me excedido.
Passo agora, antes de pedir de joelhos as desculpas que te devo, a te explicar porque me exacerbei.
Você me deu a vida, o Norte e o mote!
Sou talvez, das tuas crias, o mais parecido contigo (depois da Inês?), por isso cobro mais proximidade.
Mas vamos a fatos: você se imolou por nós.
Cuidou de mim e dos outros filhos seus (e depois dos cunhados, noras e dos netos) contra um mundo que não te foi nada fácil (largar a "nobreza" santista, uma cidade portuária, bastante cosmopolita e "central", ir se enfiar no "cafundó" de Marília com um cara complicado, a posterior falta de grana, a falta de amor e entendimento do que é família do então seu marido, a separação, o divórcio, a morte violenta do meu pai alguns após vossa separação, os problemas mais ou menos graves dos filhos e tudo mais).
Depois você deu sua própria casa, no Centro de Marília, muito grande e bem cuidada, para um filho e a nora, sem com isso conseguir a gratidão devida de nenhum dos dois. Prova da ingratidão de ambos é eles estarem se engalfinhando pelo imóvel, sem sequer preservar os filhos e sem lembrarem nunca do óbvio: a casa é sua por "direito moral", "quase só sua"! Eles praticamente nada "fizeram" para "ter" a casa (ressalvado que esse casal a manteve, aos trancos e barrancos, depois que dela se apropriaram) posto que "a ganharam" (quase integralmente, a maior parte era sua e acessoriamente os outros três filhos doaram partes também) a não ser o sonoro fato de serem filho e nora de uma mulher gigantesca como você!
Depois você passou anos cuidando do seu primeiro neto para sua filha ascender na carreira. Se contentou sempre com muito pouco (não que sua filha lhe desse pouco!). Virou um apêndice, uma agregada. Isso perdurou até você ganhar os "usos e frutos" de um apê em Jundiaí.
Ser "agraciada" com um apê em Jundiaí, no final foi-lhe um grilhão. Ali você ficou quase duas décadas cuidando de sua mãe senil (diga-se que sua mãe nunca foi demente, salvo raros e pequenos delírios e confusões nos últimos meses de vida). Realço que amávamos e amamos demais seus falecidos pais, sua mãe em especial, e seus irmãos para lhes imputar qualquer "culpa". Aliás aqui estamos querendo acabar com essas nossas "culpas". Mas sua mãe, viúva desde 1978, casou o filho caçula já aos mais de oitenta, e estava então, nos começos dos 1980's, frágil e cheia de manias e realmente não poderia ter continuado morando sozinha em Santos. Mas em retrospecto, você e sua mãe deviam ter ficado morando em Santos naquele momento e pelos anos vindouros (não era esse seu desejo, sempre oculto?; voltar à sua terra natal? lá você poderia quem sabe se soltar, namorar, sei lá...mas você nunca teve voz para os seus desejos, disso já lhe acusei, é verdade!).
O grande fardo de cuidar de sua mãe idosa (sem direito a férias, viagens, passeios noturnos, etc) te tocou, afinal. Além de você ter uma tendência ao martírio, você era "viúva" (=divorciada de uma homem que foi assassinado!), não tinha marido, os filhos já "criados" (se fui "mal" criado, jamais poderia te culpar, posto que você é uma gentlewoman, uma lady inglesa no sentido mais profundo e verdadeiro do termo). Você se dispôs à carregar as toneladas do sacrifício, e seus irmãos acharam ótimo, nem precisaram "tirar o corpo", foi "bom para todos" (mais para eles do que para você...). Afinal cada um tinha suas dificuldades e você estava disposta!
Quando você finalmente se viu livre (não que você postulasse a necessidade dessa libertação! visto que você não tem língua, nem às vezes pensamentos, para reclamações!), pelo evento da morte da sua mãe já às vésperas de seu centenário, o que ocorreu num lindo apartamento preparado para "vocês" em Campinas pela minha irmã (sem podermos sequer nos perguntar se isso foi bom ou ruim para a saúde da então pobre velhinha), veio a história da mudança para Souzas com a Tia (sua irmã mais nova) que tinha enviuvado recentemente.
Aí veio o inesperado: mesmo se você e a Tia estavam se dando bem (o que podia não ter ocorrido) apareceu o câncer de mama da Tia, e tudo de triste que isso significou (nada tão grave no final, já que a Tia está firme e forte, Graças a Deus!).
Os apês de Jundiaí e o de Campinas foram "dados" ao filho mais novo, sempre em transações que o favoreciam, sempre dádivas suas e da minha irmã para o irmão menor! Como quando éramos pequenos e você nos dava o melhor bife ou algo assim, para comer "o pior", sempre em nosso favor!
De repente você se viu, aos setenta anos, "sem teto". E foi morar junto com minha irmã...
Eu te estendi a mão, minha esposa foi magnífica, e te compramos esse apê em Campinas de onde acabo de chegar.
E aí, nesse ano, tivemos que viver, juntos, mas sob meus protestos, o evento do meu irmão mais velho, separado e se divorciando litigiosamente, vir de Marília, a convite (meio imposto) da irmã, para tentar a sorte trabalhando em Campinas no escritório de advocacia do cunhado. E, pior para mim, vindo se "hospedar" (de armas e bagagem) na TUA, TUA, TÃO IMENSAMENTE TUA CASA!
Como comi o que não gostava, enguli e digeri muito mal esse último fato. Você também! Ninguém tinha que conviver, forçadamente pelo menos não, com meu irmão, homem de hábitos e atitudes que sempre suscitarão ressalvas.Finalmente meu irmão voltou para Marília, a vida volta para uma certa canaleta ou trilho de onde não devia ter-se desviado.
Eu te peço profundas desculpas pelo mal que te causei.
Levantei a voz em tua defesa!
Fiz o que pude para te livrar de outras provações...
Mas de boas intenções o inferno está cheio.
Se o teu amor de mãe puder entender o meu imenso amor de filho, ME PERDOA, PELO AMOR DE DEUS!
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