"Luciano Correia -A queixa e o livro" - por Vladimir Souza Carvalho
No exercício da magistratura, já beiradeando três décadas, foram poucas as ocasiões em que, em meio aos dramas e tragédias que cada processo carrega, não consegui controlar o riso. Uma vez, em Maceió, no comando da 2a. Vara da Justiça Federal, em plena audiência, depois de uma minúscula explosão, vi o Procurador da República Paulo Campos preocupado, tentando limpar a mesa e a minha toga, explicando o motivo da explosão do seu cigarro: era o filho, que não queria que o pai fumasse, colocando pequeninas bombas em seus cigarros. Uma delas, durante a inquirição da vítima, pum, explodiu, em um momento inoportuno. Não pude segurar o riso, ante a explicação do ilustre representante do Ministério Público Federal. Outras ocorreram, contadas no dedo, que, aqui reveladas, alongariam a conversa.
Mas, ri mesmo, por longos minutos, ocorreu em uma das minhas passagens pelo Tribunal Regional Eleitoral deste Estado. Lendo uma queixa, ou reclamação, não sei lá mesmo o que era, contra o jornalista Luciano Correia, não consegui controlar o riso. O queixoso era uma alienígena, de sobrenome Tourinho (seria Vera Tourinho?), candidata ao Governo do Estado, sem a menor perspectiva de vitória no pleito. Reclamava de uma frase engavetada na coluna de Luciano Correia, na Folha da Praia (ainda circula?). A frase, bem curta, estava vazada em termos claros: e fulana de tal, ainda não foi presa? Lapidar, não? Apesar da circulação limitada do semanário, a candidata enfureceu-se. Sua reclamação me foi distribuída.
Li a reclamação e preparei meu voto. Nos tempos de menino, saboreava as charges de O CRUZEIRO, sobretudo às de caráter político, focalizando as principais figuras do país. Juscelino, no ponto de ônibus, com uma mala. No local, a tabela indicando o destino: Brasília. Na mala: 1965. Era mais ou menos assim. Adorava. Depois, vinha o livro de Belmonte, com charges focalizando cenas e figuras da 2a. Guerra Mundial, Hitler fantasiado de menina, com tranças, brincando de boneca. A boneca era a Polônia. Aí chegava alguém dos aliados e, tomando a boneca, dizia: Agora é minha vez, Adolfina. E tomava a boneca. Eu me deleitava de rir.
Esse passado de contato com as charges inspirou meu voto, pelo arquivamento da reclamação, por não ter outra solução para o homem público senão se submeter à caneta dos chargistas, sem que tal prática se constituísse em delito. Nesse campo, encaixei a frase atacada. O voto teve o apoio do Pleno.
Conheci Luciano Correia, estudante secundário, em Itabaiana. Vi depois, sua mãe, d. Afra, então escrivã de Macambira, cuidadosa de seus poucos feitos, lastimando o filho ter trocado o curso de engenharia pelo de jornalista. O pai, João Correia, lavrador nos tempos de menino, dando-se, na aposentadoria, ao luxo de colecionar formaturas universitárias. Duas ou três. Eu, na condição de Juiz de Direito de Campo do Brito, com jurisdição sobre Macambira, viajando, na quarta-feira, para a sede da Comarca, em um velho e histórico fusca do pai de Luciano, cujo primeiro livro, de poesia, salvo engano, mimeografado, foi lançado em Itabaiana. De um poema, não citável assim, por escrito, ainda me lembro.
O tempo mostraria que d. Afra preocupou-se em vão com a mudança de carreira do filho. Talvez tivesse sido um engenheiro preocupado mais em escrever para os jornais, do que com a sua profissão. O filho tornou-se um jornalista atuante, tanto em jornal como em televisão. Eu, de minha parte, prefiro o jornalista que escreve, pela segurança com que expõe seus escritos e pela ironia que, aqui e ali, deixa brotar, do que o comandante de programa de televisão. Gosto é coisa que não se explica com precisão.
Pois bem. Luciano Correia, abrindo um parênteses no curso de mestrado em plagas gaúchas, lança um livro, o primeiro seu, na matéria, com o título de JORNALISMO E ESPETÁCULO, trazendo, como subtítulo O mundo da vida nos canais midiáticos. Não é, como poderia parecer, a reunião de artigos divulgados na imprensa, muito comum entre nós, como demonstram livros de Zózimo Lima, Santos Mendonça, Osmário Santos, entre outros. Ao contrário, é livro de estudos. É o jornalista vendo, estudando, apontando exemplos dentre de fatos ocorridos no meio da trilha televisão versus política, estudo sério, autêntico ensaio, a nos dar idéia da dimensão intelectual do profissional, atento aos fatos mais recentes da política brasileira, para transformá-los em cobaias de seus estudos e de suas conclusões, tudo dentro de um enfoque preciso, permeado pela linguagem curta e direta, sem o requinte do artificialismo e do esnobismo, como se fosse o professor que falasse para a sua platéia de jovens estudantes universitários.
JORNALISMO E ESPETÁCULO – O mundo na vida dos canais midiáticos, de Luciano Correia, é livro bom, a cercar o seu autor das considerações devidas, por se tornar o primeiro jornalista sergipano a lançar ensaios desse nível. A sua leitura me fez lembrar os risos do passado, na invocação da frase que tanto incomodou a ilustre candidata ao Governo do Estado. O importante é que, com o livro, Luciano Correia não só se firma como o jornalista irônico, independentemente e observador, que sabe fazer uso da palavra na sua junção ao texto, como ocupa espaço como ensaísta de temas bem captados pela sua aguda percepção política. D. Afra deve ter se acostumado a condição de jornalista do filho, e, João Correia, bem, pode considerar que livro de 118 páginas é curto. Mas, isso é problema de família.
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