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domingo, 16 de janeiro de 2011

Mylton Severiano, o poeta nato

copiado de
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Em movimentos compassados e efêmeros, as mãos vão de lá para cá, e tentam comunicar mais que a boca pouco sorridente do mariliense Mylton Severiano. Aos 68 anos, os ralos cabelos brancos daquele jornalista denunciam muita história vivida – e muitas a serem contadas. Várias delas estão ligadas a Marília e ao Correio de Marília, precursor do jornal Diário. Myltainho, como é chamado pelos amigos, revela algumas delas nesta entrevista cedida a Rodolfo Viana, na redação da Caros Amigos, na noite de sexta-feira, 25 de abril.

Quase meio século após ter deixado Marília – e sem motivos para retornar –, Mylton pode se considerar um jornalista de sucesso: passou pela Folha de S. Paulo, revista Quatro Rodas, Jornal da Tarde e pela Realidade, publicação considerada por ele “um marco do jornalismo brasileiro”. Hoje, Mylton é o editor executivo da revista Caros Amigos, publicação da qual se orgulha de participar desde o primeiro número, de 1997. A veia política – epicentro do seu trabalho -, Mylton atribui em partes a Marília, época em que seu pai se juntou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Apesar de distante mais de 450 quilômetros, Mylton garante: sabe bem o que se passa em sua terra natal. Sempre que ouve algo sobre Marília, abre bem os miúdos olhos e se atenta. Esse acompanhamento constante faz com que o jornalista afirme com veemência: “não tenho boa imagem da elite mariliense”. Pior que a impressão sobre os “conservadores e reacionários”, é a opinião sobre os políticos, “um pior que o outro”.

Quando saiu de Marília?
Em 1959. Fui para Mato Grosso para fazer o Exército, na fronteira com o Paraguai. Voltei para Marília no fim daquele ano, em novembro. Já tinha terminado o secundário científico [segundo grau da época], no Colégio Estadual e Escola Normal de Marília [atual EE Monsenhor Bicudo]. Na época, o colégio era considerado um dos melhores no Brasil. Um colega meu de classe, Tetsuo Sato, veio para São Paulo com amigos. Conseguiu apostilas de preparação para o vestibular e passou na Escola Paulista de Medicina apenas com o ensino do colégio de Marília. Para você ver o nível que tinha o colégio. Eu também vim para cá preparado, fiz pouco tempo de cursinho e entrei em Direito, no Largo São Francisco. A gente tinha um preparo “de fera” mesmo. Era bem diferente de hoje.

Como foi a chegada na capital?
Foi no dia 3 de janeiro de 1960. Eu tinha 19 anos. Um amigo [o jornalista Woile Guimarães] que estava aqui havia um ano e trabalhava na Folha conseguiu um teste para mim. Peguei o Expresso de Prata da noite do dia 2 e cheguei aqui no dia 3. Neste mesmo dia fiz o teste e passei. Comecei como revisor. Fiquei dois meses na função e depois fui para a redação.

E como entrou o Direito nessa história?
Eu entrei na faculdade de Direito em 1961, mas já aborrecido. Queria mesmo ser jornalista. Meu pai [Bernardo Severiano da Silva, imortalizado em poema de Penaforte no Diário, edição de 17 de setembro de 2006] queria que eu fizesse Direito, gostava daquilo… E tem aquela mania de brasileiro de “quero ter um filho ‘dotô’”. [Risos]

Seus pais não eram de Marília.
Meu pai era alagoano [de Viçosa] e minha mãe, que ainda está viva, é filha de italianos imigrantes. Foram parar lá devido à imigração, mesmo. Meu pai teve uma vida difícil em Alagoas – dos 13 filhos, morreram 10. Por volta de 1937, meu pai tinha um irmão mais velho morando em Marília e foi para lá. Meu pai está enterrado no Cemitério da Saudade.

Seu pai foi político em Marília. Como foi isso?
Tinha um grupo de intelectuais muito atuantes na cidade. Eles fundaram o Clube do Cinema de Marília, por exemplo. Meu pai era autodidata e havia entrado no Partido Comunista. Começou a ler literatura marxista e tal. Está para ser escrita uma obra sobre a importância do Partido Comunista na construção das cabeças: meu pai era semi-analfabeto, mas era muito comunicativo. Então o chefe do Partido Comunista de Marília, Dr. Reinaldo Machado, começou a conversar com meu pai e tal, e o recrutou. Meu pai foi vereador por duas legislaturas e quando veio o golpe militar [de 1964], ele era candidato à prefeitura de Marília.

E sua publicação no Correio de Marília, como aconteceu?
Meu pai tinha essa ligação com os intelectuais. Inclusive, ele foi sócio do Clube de Cinema. O Clube foi muito importante para minha formação. Tenho uma dívida de gratidão com esse grupo. No Clube de Cinema de Marília vi tudo de Chaplin, [Sergei] Eisenstein… Quem da minha geração viu Eisenstein? [Risos] Enfim, meu pai ficou amigo dessa turma.
No Dia das Mães de 1953, eu estava no terceiro ginasial [sétima série do ensino fundamental] eu fiz essa poesia, que era um trabalho da escola. Mostrei para a professora, dona Nilce Santana Martins, que me deu dez. Depois entreguei ao meu pai, que levou o poema para um desses caras do Clube do Cinema. Esse cara levou ao jornal e ele foi publicado com uma apreciação cujo título era Um poeta nato. Um barato, né? Nunca me esqueço o título.

Quais as lembranças que você guarda da época de Marília?
As mais gostosas são da infância, né? Era uma cidade pacata, pequena, sem problemas. Não tinha o medo de sair na rua, essa paranóia. Fomos criados soltos, na rua Getúlio Vargas. A gente ia à escola de manhã, à tarde fazia tarefa e depois ficava brincando na rua, jogando bola, nadando… As melhores lembranças são de lá.

Ainda visita Marília de vez em quando?
Não, não tenho mais parentes lá. Nem amigos. É muito difícil passar por lá.

Mas acompanha a vida mariliense pelos jornais?
Ah, sim. Qualquer coisa que percebo que aconteceu em Marília me interessa. O caso do incêndio no Diário, por exemplo. Eu cheguei a publicar na Caros Amigos, na minha coluna [chamada Enfermaria] um texto sobre o assunto [na edição 91, de outubro de 2004].
Consegui uma espécie de correspondente para a Enfermaria que sempre me passa informações sobre a cidade. Fiquei sabendo que é uma briga de gângsters lá. De políticos.

Na sua opinião, por que há essa briga em Marília?
Temos que checar a gênese da cidade. Marília é um município fundado por latifundiários. Na primeira legislatura, meu pai era o único vereador de esquerda. De resto, eram todos fazendeiros, membros da UDN [União Democrática Nacional, de direcionamento liberal], esse pessoal de direita.

É interessante isso porque, como você mencionou antes, na metade do século XX, tínhamos em Marília um Partido Comunista atuante, forte. E depois de aproximadamente sessenta anos, temos esse populismo barato que aí está.
Rapaz, isso é uma raça… Eu tenho essa imagem: que sai um [político] ruim e entra outro pior.

Qual foi a última notícia que teve de lá?
De alguma falcatrua política. Do filho, digo. Não tenho boa imagem dessa elite de Marília. É uma cidade conservadora, reacionária.

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