RIO - O desafio de escrever análise política é redobrado quando sobrevém a tragédia, pois ela interrompe o curso normal dos eventos e coloca o que era antes imponderável no horizonte do possível. Para além da terrível perda de Eduardo Campos, um dia depois de ter aparecido para milhões de brasileiros em entrevista do “Jornal Nacional”, resta o rearranjo do cenário político da eleição que se aproxima. O que pode e o que deve ocorrer nesse cenário?
Campos e Marina formavam uma dupla cuja principal estratégia parecia ser aliar, aos olhos do eleitorado, a figura de administrador competente, jovem e de centro-esquerda dele à imagem da antipolítica encarnada por ela. Ele, o homem de partido, responsável pelas alianças políticas; ela, figura carismática, que anuncia a nova ordem que pretende superar “tudo que está aí”, isto é, as mazelas da política institucional da democracia real.
As contradições dessa estratégia já eram visíveis e em parte explicam a persistência das intenções de voto no candidato, pesquisa após pesquisa, na casa dos 8%. Agora sem Campos, só sobra à chapa do PSB a bandeira da antipolítica. Isso não é pouco em termos de potencial eleitoral. As pesquisas feitas logo após as manifestações de junho de 2013 mostraram que Marina foi a única personalidade política cuja popularidade cresceu no período. Os 20% de votos obtidos no primeiro turno de 2010 reforçam ainda mais o potencial de seu crescimento. E, por fim, as intenções de votos em branco, nulos e sem candidato da última pesquisa Ibope, que somadas dão 24%, são terreno fértil para o crescimento de uma candidatura que rejeita “tudo que está aí”.
Do lado negativo, o desaparecimento de Eduardo Campos redunda na perda de capacidade de articulação de apoios políticos regionais, que são cruciais para o corpo-a-corpo com o eleitor, particularmente para uma chapa com tempo comparativamente diminuto de TV. Marina tem se mostrado pouco flexível no que toca a tais acordos. Por outro lado, se mudar de postura, abrindo concessões à política real, arrisca-se a corroer sua imagem frente ao eleitorado, alicerçada em convicções e princípios.
Para a campanha do PSDB, as consequências não são nada alvissareiras. Pois se Campos parecia não decolar, com seu perfil muito parecido com o de Aécio, Marina é a chance que o PSB tem de conseguir passar o concorrente e chegar a um segundo turno contra a candidata da situação, líder isolada das pesquisas. Se Marina de fato começar a crescer nas pesquisas, Aécio não terá outra opção senão atacá-la.
Por fim, para a candidatura do PT à reeleição, o cenário mudou bastante. Antes, ela tinha pela frente dois candidatos oriundos da política tradicional, estagnados nas pesquisas, cuja plataforma se resumia a melhorar as coisas que o PT fez de bom. Agora, terá de enfrentar o discurso da antipolítica, potencialmente mais sedutor ao eleitorado. Se antes Dilma enfrentava dois candidatos que cobravam ética e moralidade, mas tinham esqueletos no armário, como mostraram os entrevistadores do “Jornal Nacional", agora ela enfrentará uma figura cuja biografia reclama a piedade e obstinação própria dos líderes religiosos.
É claro, tudo isso supondo que o PSB vai de fato encampar a candidatura de Marina, coisa que não é certa. Marina já criou várias dificuldades para a aliança, e sem Campos a capacidade de o partido controlar a candidata parece no mínimo incerta. Um partido de quadros carentes de lideranças nacionais, o PSB pode sempre optar por retornar à aliança com o PT, antecipando assim o segundo turno das eleições de 2014.
João Feres Júnior é cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj
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