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domingo, 22 de setembro de 2013

Os homens revisitados

Sei que era de 1930, pois o menorzinho era de 32, e eu sabia que a diferença era mais ou menos essa.
Por algumas questões, a principal devendo ter sido a morte prematura da mãe deles, a infância dos irmãos era uma tremenda ausência de informações. Talvez o menor fosse mais marcado ainda pela morte da mãe, mas esses danos nunca se sabe bem a extensão para cada indivíduo.
Havia duas fotos dos dois: uma que mostraram contando da surra que levaram no dia da foto; atrasaram uma entrega de café do pai deles. Outra me contaram; eles eram mais crescidinhos, mas ainda com 11 e 13 suponho, e juravam amizade eterna. Fazenda, Gonçalves Dias, Nelson Spielman, pouco se sabia de suas casas, de seus natais e aniversários, da relação com irmãos e primos, com a cidade.
O pai com aquelas criancinhas não teria se virado bem? Outros tempos.
A irmã do pai veio de São Paulo, viúva que deixaria a filha única e novinha a ser cuidada pelos tios e tias, gregários, um sacrifício implicava outros. Assim eles tiveram uma mãe emprestada, o que não era pouco. Tinham também a vó deles que entrara em anos e precisava de ajuda.
O certo é que cresceram de maneira quase totalmente incógnita. Será que tinham estudado com o Monsenhor Bicudo?
Sonharam em fazer faculdade, eram bons alunos?
Que colégios frequentaram: o Thomaz Antônio Gonzaga, ex-Primeiro Grupo?
O Carlota?
Tudo eram brumas: uma história ou outra do Kai Kan, do Clube dos Alfaiates, algum footing namorador, algum carnaval de excessos...
Daí a depois, vai que na minha infância os conheci. Mas uma criança nunca chega a conhecer os adultos. Só depois, por reflexão ou convivência mais apurada, talvez crie deles um perfil psicológico mais ou menos consistente com palavras, atos, histórias, etc.
O mais novo foi para mim um mistério que não desvendei. Passei anos sonhando a volta dele. Psicanalistas dizem que isso ocorre muito com quem não assiste as exéquias. Fica com a morte "incompleta", a ideia da morte do pai não se cristaliza. Bem, muito depois até cheguei a "ver" meu pai no banco detrás do meu carro, mas de certa forma, finalmente, me abençoando.
E se a infância e juventude deles era quase totalmente incógnita, a juventude e os anos de maturidade física também o eram, em menor grau, mas o eram.
Aí lembro as festas e as fotos das nossas infâncias e juventudes.
Tínhamos ele pelo grande desencanado. Sem grandes filiações ideológicas, sem tomar partidos radicais, mas sem a violência típica dos irmãos, a vontade de poder. Sentíamos que ele era mais livre, distante dos conflitos da ditadura, da rigidez direitista do ambiente. Mas repito: convivência pouca. Encontros esporádicos como esse diário. Como sabê-lo?
E fazedor. De alguma arte árabe ou cigana ele sempre se virara e bem. Onde aprendera? Com o sócio dileto? Ou vinha do sangue daqueles antepassados bascos, andaluzes ou da terrinha? Tinham nos trazido e legado nos sangues do norte da Europa e do norte da África, de toda penínsulas mediterrâneas e daquelas andanças de quase quinhentos anos pelo lado de cá do charco atlântico? Ou eram coisas apreendidas por andanças nessa América do Sul caipira de São Paulos, Mato Grossos, Minas e Goyazes?
Os mistérios agora repousam em paz, eu tento decretar.
Bem, prima, é tarde. Segunda me secunda. Terça espera a quarta das quintas para finalmente sexta me libertar por duas semanas dos grilhões do trampo cubatense.
A irmã em breve vai ver vocês, tenho fé que a inocência dela será compartilhada, mesmo que em migalhas, comigo.
E a ferida vai secando.
Entre outras coisas, a vida é lamber uma e outras.

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